Por Edmar Ferreira
“Deus teve um propósito para a minha vida”. Essa foi a frase dita pelo limeirense João Paulo Azevedo Barbosa, que só não estava no voo da Chapecoense para Medellín, na Colômbia, porque não teve seu contrato renovado por mais uma temporada. A tragédia que deixou 71 mortos completa um ano hoje.
O goleiro de 36 anos defendeu o time de Chapecó por 11 meses em 2015. O técnico Vinícius Eutrópio queria contar com o arqueiro no ano seguinte, mas foi demitido antes. Mal sabia o arqueiro que a chegada de Guto Ferreira mudasse por completo os planos de sua vida.
O destino entrou em ação quando João Paulo estava na reserva do CSA/AL. “Eu não estava contente no clube. Em um dia folga, fui a uma sorveteria e li na internet que a Chapecoense havia perdido os dois goleiros por lesão. Liguei para meu empresário, que em seguida entrou em contato com o time catarinense. Fui oferecido à eles”, contou.
João Paulo lembra que Vinícius Eutrópio aceitou na hora, pois o conhecia. “Fechei o gol em um jogo contra ele. Isso ajudou”, sorriu. Mas o contrato seria de três meses, ou seja, apenas para o Campeonato Catarinense. “Meu sonho era jogar uma Série A do Campeonato Brasileiro. Não estava nem acreditando que ele poderia ser realizado, isso é claro, se eu fosse bem no Estadual. Foi um felicidade imensa acertar com a Chapecoense”, lembrou.
Danilo era o titular absoluto e João Paulo revezava na reserva com Silvio. “Não tinha disputado nenhuma partida. O último jogo era contra o Criciúma. Valia uma vaga na Copa do Brasil. O Silvio iria jogar, mas se machucou na véspera. Foi então que ganhei minha primeira oportunidade”, contou.
João Paulo contou que entrou confiante, lembrando sempre dos conselhos de um preparador de goleiros de nome Fernando. “Ele sempre dizia para não ter medo. Foi com esse espírito que entrei. Se eu falhasse, com certeza meu contrato não seria renovado. Ganhamos de 1 a 0 e após a partida o diretor confirmou minha renovação para o Brasileirão. Foi muito gratificante”, frisou.
O limeirense pode, enfim, realizar seu sonho, viajando com a Chape para vários estádios do Brasil, como Maracanã, Beira-Rio, entre outros. “Não tive oportunidade de jogar, mas só de estar no banco já era um objetivo alcançado. Eu queria fazer parte do grupo”, ressaltou.
Com a demissão de Vinícius Eutrópio e a chegada de Guto Ferreira, o futuro do goleiro estava traçado. “O Guto me comandou no Mogi Mirim. Fui bem demais com ele. Estranhamente, o treinador optou por não ficar comigo e meu contrato não foi renovado. Não estava acreditando. Tinha planos até de encerrar a carreira na Chapecoense. Estava adaptado, morava bem, minha esposa estava feliz na cidade. Foi um tremendo baque. Confesso, me abalei muito. Deixei o clube com o nó na garganta e fui para o Brusque”, confidenciou.
Mal sabia que naquele momento, Deus estaria o livrando de estar na tragédia de Medellín. “Se meu contrato fosse renovado por mais um ano, com certeza estaria naquele voo. Me arrepia de lembrar disso”, disse emocionado.
No dia da tragédia, João Paulo recebeu centenas de mensagens. “Costumo silenciar meu celular para dormir. Quando acordei levei um tremendo susto. Amigos e parentes achavam que eu poderia estar no avião. Liguei para o goleiro Silvio e choramos juntos com a confirmação da queda e dos mortos. Foi uma tristeza imensa. Sem dúvida o dia mais triste da minha vida, superando o dia em que meu contrato não foi renovado com o clube”, salientou.
Com lágrimas nos olhos, João Paulo lembra de cada vítima fatal com quem conviveu na Chapecoense. “Difícil até de falar. Danilo, Denner, Thyego, Gil, Ananias, Caramelo, Bruno Rangel, o preparador de goleiros Boião, o roupeiro Cocada, o massagista Serginho, o auxiliar Duca, o meu grande amigo Cleber Santana…(pausa e momento de maior emoção)…cara, parece mentira que não verei mais esses parceiros. Eles foram muito importantes na minha vida. Tínhamos um grupo no Whatsapp e não apago de jeito nenhum. Tem as mensagens de voz do Danilo. As vezes ouço para matar saudade. Dói muito”, contou.
Não tem um dia sequer que João Paulo não lembra da tragédia e nos amigos que perdeu. Tem até uma camisa autografada por alguns jogadores que perderam a vida naquele dia e que pretende colocar num quadro. “Tenho falado bastante com o Neto. Ele é um milagre de Deus”.
Com 36 anos, e ainda recebendo propostas de trabalho, João Paulo pensa agora apenas na família. Quer curtir mais o filho João Pedro, de cinco anos e a esposa Tatiana, com quem está junto há 14 anos. “Essa tragédia me fez refletir mais sobre a vida. Sobre a importância de valorizar a minha família. É por isso que decidi encerrar a carreira. Ainda podia jogar mais uns anos, tenho até propostas interessantes, mas quero ficar ao lado deles”, disse.
Desde a tragédia, João Paulo ainda não voltou a Chapecó. Pensa em visitar os familiares das vítimas no ano que vem, em especial a esposa e o filho do goleiro Danilo. “A gente jogava boliche junto nas horas vagas”, lembrou.
Morando em um apartamento na frente do Estádio Hermínio Ometto, em Araras, João Paulo treina goleiros na Escola JP, situada na Veloso Sport Center, trabalha na Uniaras e vende calças térmicas para goleiros da sua marca, a JP pelo Instagram. Além disso, vende luvas 3Stars para arqueiros de todo o país.
Como o futebol ainda corre em suas veias, João Paulo está jogando, mas somente amador. Este ano foi vice-campeão em Artur Nogueira pelo Cruzeirinho.
Em sua carreira, João Paulo se orgulha por ter vestido a camisa de mais de 30 clubes. Seu início foi no União São João aos 17 anos. Passou por CRB, CSA, Mogi Mirim (foi seu auge no Paulistão de 2011), Joinville, Bragantino, Rio Preto, Grêmio Barueri, Metropolitano (foram quatro anos), entre outros.
Leonino, João Paulo estava no Morumbi em 1986, na final do Paulistão contra o Palmeiras, junto com seu pai Renato Barbosa, o “Renatão”.