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Morre aos 100 anos o rio-clarense Carlos José, pai do futsal de nossa região

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Por Edmar Ferreira

O dia amanheceu triste para mim, com a notícia do falecimento do meu amigo Carlos José, de 100 anos, esportista mais querido de Rio Claro.

Seu Carlos José era uma pessoa honesta, humilde e cheia de carinho com a gente. Um homem que marcou seu nome em sua passagem pela terra e que me incentivou demais. Encantou e ensinou.

Fui buscar em meus arquivos uma entrevista que fiz com ele para o Diário do Rio Claro, quando tinha acabado de completar 89 anos.

Como sempre, estava lúcido, sorridente e cheio de planos. Parecia que sabia que chegaria facilmente aos 100 anos.

Acompanhava o Velo Clube, seu time do coração e era um dos amantes do nosso basquetebol. Sentava sempre nas cadeiras próximas à quadra.

Será sepultado hoje às 15h. Que grande perda.

Relembre a entrevista que fiz com ele:

carlos jose

Ideia de seu Carlos fez surgir o futsal

Poucos sabem que o primeiro “inventor” do futsal mora muito próximo da gente. O simpático Carlos José, que no próximo mês completará 90 anos – por sinal bem vividos -, reside em Rio Claro e continua acompanhando o esporte. Ele tem cadeiras cativas no Benitão, campo do Velo Clube e no Ginásio Municipal de Esportes Felipe Karan, onde acompanha o vitorioso basquete. Ele inclusive ganhou o apelido de “vovô do basquete” pelos jogadores.

Seu Carlos está lúcido, tem boa memória e sente orgulho por ter praticamente inventado a modalidade, hoje disputada em todo o mundo. Primo de Álvaro Zenebom, ele é tão importante para a sociedade rioclarense que foi escrito o livro “Memórias do Senhor Carlos José”, de 72 páginas, onde é contada toda a sua vida de forma minuciosa. Aliás, uma vida cheia de vida. Um homem de caráter e de muita personalidade.

Filho de Magdalena Busch José – descendente de alemão e de Domingos José – descentente de italiano, Carlos José nasceu no dia 17 de fevereiro de 1917, bem num sábado de carnaval.

Por que sua mãe se assustou quando o senhor nasceu?
Carlos José – Ela esperava com muita ansiedade o nascimento de uma menina e comprou todo o enxoval cor de rosa. Como naquela época o dinheiro era curto, fui obrigado a me vestir de mulher. Vivi minha infância ao lado dos meus irmãos Oswaldo, Nelson, Dirce, Daicy, Domingos, Maria Heloísa e Luzia. Meu pai vivia viajando, até porque era gerente dos carros restaurantes da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Não tenho do que reclamar.

E seus estudos?
Carlos José – Estudei no Colégio Puríssimo onde cursei os quatro anos do primário e mais quatro do complementar, que dava acesso ao curso “Normal” para o Magistério. Estudei ao lado de 37 meninas e 2 meninos. Brinquei até de roda, lenço atrás, passa o anel, amarelinha e rezei muito na capela. Aprendi a cozinhar, limpar a casa, lavar e passar, nada que colocasse em dúvida a minha masculinidade. Fui eleito o melhor aluno da escola em 1925.

O senhor também foi ator?
Carlos José – Depois de trabalhar por 15 anos em farmácias, virei ator. Minha primeira peça foi “Choro ou Rio”. Foram 23 anos de muita dedicação, além de ser apresentador de festivais musicais.

Me fale de sua família?
Carlos José – Meu casamento com a Dulce ocorreu em 29/10/1938 e dois anos mais tarde nasceu meu primeiro filho, o Adilson Carlos, que infelizmente viveu apenas 12 horas. Em 1942 e 1948 nasceram Cinara Maria e Gisete Maria, respectivamente. Ambas são casadas. Hoje tenho 4 netos e 4 bisnetos.

O casamento lhe rendeu Bodas de Diamante?
Carlos José – Minha vida amorosa é um exemplo de companheirismo para todos nós. Em 1963 completei “Bodas de Prata”, em 1988 “Bodas de Ouro” e em 1998 a incrível “Bodas de Diamante”, ou seja, 60 anos de vida conjugal. Infelizmente minha companheira me deixou há seis anos.

O senhor ganhou um terreno de presente?
Carlos José – Em 1948, em função dos meus serviços profissionais como farmacêutico, ganhei um terreno do Dr Renato Studart – chefe do posto de saúde – como gratidão pelas injeções intravenosas aplicadas gratuitamente durante vários anos. Foi então que eu consegui montar a minha própria casa no bairro do Estádio. A mão de obra também foi gratuita do amigo construtor Natanael Carvalho, pois eu atendi o seu filho por dez anos.

O senhor teve um cargo importante no Estado?
Carlos José – Em 1961, eu recebi um telefonema de São Paulo pelo qual o Deputado José Felício Castelano, membro da assessoria da Casa Civil do Governador Carvalho Pinto, me convidava para o cargo de gerente da Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (CAGESP). Aceitei e fiquei 8 anos no cargo.

Como realmente surgiu o futsal?
Carlos José – Foi durante um treino de tênis de mesa na SDD Cidade Nova, em Rio Claro. A única bolinha que eu tinha em mãos rachou-se. Com isso, passei a chutá-la no salão de baile, chamando meus amigos para brincar. Acendemos as luzes do clube escondido do presidente Delmino Urbano e jogamos à noite inteira.

Que regras vocês usaram?
Carlos José – Coloquei duas cadeiras, uma de cada lado como traves. Um goleiro, dois defensores e três atacantes foram posicionados de cada lado e então iniciou-se o futebol de salão. Os escanteios eram batidos com as mãos e as faltas eram cobradas a uma distância de três metros.

A pequena bolinha suportou tanto chute?
Carlos José – Jogamos apenas um dia com ela, pois na tarde seguinte eu trouxe uma bola de tênis, mas ela pingava muito e atingia com frequência as vidraças. A solução então foi uma bola de meia, mas o presidente descobriu e acabamos ficando sem a nova modalidade.

Alguém copiou a sua ideia?
Carlos José – Em 1954, eu li no jornal a introdução do futebol de salão no Brasil, mas precisamente na cidade de Campinas. Interessado, fui até lá conferir. Fiquei abismado, pois o jogo tinha as mesmas regras que implantei em 1938. A minha idéia foi roubada, mas não fiquei triste, pelo contrário, achei que fiz um bem para o esporte.

O que senhor decidiu fazer?
Carlos José – Solicitei a ajuda do prefeito da época e ele conseguiu o Ginásio Municipal duas vezes por semana e introduziu o futsal em nossa região. Com a ajuda do Sebastião Schmidt, o “Tana”, conseguimos as traves, as redes e as bolas de crina de cavalo. Depois de alguns anos foi criada a primeira Liga Rioclarense de Futsal, cujo presidente foi Carlos de Campos, já falecido.

O senhor também foi árbitro de futebol?
Carlos José – De 1946 a 1950 fui árbitro de futebol da Liga Municipal de Futebol, chegando a atuar em partidas profissionais. Fui diretor do Velo Clube na mesma época.

É verdade que o Rei Pelé comia na casa dos seus pais?
Carlos José – É verdade. Quando eu visitava meus pais em Bauru, sempre me encontrava com o amigo Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que ainda jogava no Bauru Atlético Clube e adorava comer os bolos feitos por minha mãe. Nos falamos de vez em quando.

O senhor chegou a presidência da Federação?
Carlos José – Meu esforço foi reconhecido em 1965, quando fui eleito presidente da Federação Paulista de Futsal e escolhido o melhor dirigente do interior. Um dos momentos de maior alegria foi ter conhecido Athur Friendereinch, o mais famoso “center forward”.

Como é o seu dia-a-dia?
Carlos – Acordo cedo e leio jornais. Dou aquela caminhada e em seguida assisto televisão. Acompanho os treinos e jogos de basquete, além do meu querido Velo Clube. Sou também o gerente fundador da Unimed Rio Claro e compareço ao local três vezes por semana.

Gostaria que o nosso prefeito prestasse uma homenagem a ele, dando seu nome em alguma praça esportiva.

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